segunda-feira, 26 de março de 2012

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PASSAGEM DO VENTO

"A minha pátria é onde o vento passa, / A minha amada é onde
os roseirais dão flor...” (Sophia de Mello Breyner Andresen)

Passagem do vento são as lembranças, os encontros e os reencontros: como redescoberta do sonho permitido à ilusão do Trajeto Inverso, de Pedro Du Bois, “sobre minhas lágrimas / muito: ciscos trazidos pela vida / na passagem do vento / pelas casas onde um dia / tentei ficar...”; e do livro Vento nos Ossos, de Carlos Higgie.
Na passagem do vento reedifico os encontros que ainda me são permitidos: mergulhar em pensamento ensurdecedor dos tambores, fechando-me em mim, como mostra Manoel de Barros, “Queria transformar o vento. / Dar ao vento uma forma concreta e apta à foto. / Eu precisava pelo menos enxergar uma parte física / do vento...”
Esquecer o último olhar, desistir da espera ou sentir o vento? Avessa, arremesso do coração. Não espero. Na porta, olho para fora e não há nada, nem ninguém. Apenas o vento passando. Oliveira e Silva diz,“O vento assovia e vaia, violento. / Não nos enxuga as lágrimas o vento, / O vento se espedaça e desmoronamos.”
Meu olhar se desespera, espera e deseja voltar no tempo, escorrer no caminho escolhido, e fazer o caminho de volta. Fazem portas, fazem janelas, e não fazem onde guardar a solidão que vai aumentando com as lembranças, e me sufocando mais do que me protegendo.
A passagem do vento desloca gritos fechados em si mesmo no reencontro com a vida. Nos dias, como vivo, temo a inglória de não fazer falta. As mudanças, os convites dispersos: convivo com a saudade, a melancolia dos caminhos construídos, e recolho os amigos pelas passagens. Reflito no retorno como partida e revelo as lembranças trazidas pelo vento. “Invento histórias onde me insiro / personagem. Repito cenas./ Reporto a cena irreal./ Refaço a irrealidade./Preciso estar em algum lugar./ ...Reinvento a descoberta./ Os horários / difusos das músicas. Desoriento / as rosas e os ventos se espalham.” (Pedro Du Bois)

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