sexta-feira, 6 de abril de 2012

0

CAETANO, O PARANINFO DA TURMA

 
 
Caros alunos,

Como poderia externar minha alegria em compartilhar deste momento tão significativo na vida de vocês?

Na qualidade de professor, talvez a melhor forma de demonstrar minha gratidão seja oferecendo um ensinamento. Na verdade, um episódio de minha trajetória pessoal, que alguns de seus pais hão de lembrar.

Formávamos um grupo de insubordinados, uns daqui do Recôncavo, outros de Salvador. Tínhamos uns cabelões enormes, éramos movidos pela vontade de virar tudo pelo avesso. Sonhos de liberdade estética, ideológica e existencial fermentavam em nossas cabeças, a ponto de se incorporarem às nossas atitudes e até às nossas roupas. Queríamos ir para a cidade grande, tomar o país de assalto com nossas idéias. Bandeiras esquerdistas, movimentos de vanguarda, gritos de guerra que ecoavam no Quartier Latin teriam que ser assimilados, digeridos e transformados em realidade libertadora. Seríamos salvos pela anarquia e, vestidos com parangolés, tomaríamos o poder através da arte. E fomos, de fato, tentar um lugar ao sol na megalópole. Imaginem só vocês, fazia parte dessa insana trupe o hoje consagrado pesquisador de doenças parasitárias da Universidade Federal da Bahia, o Dr. Gilberto Passos Gil Moreira. Quanto ingenuidade a nossa...

Filho pródigo, voltei cabisbaixo poucos meses depois, de violão e mala nas mãos, para contrito pedir a bênção de Dona Canô e me assentar de vez por aqui. Analisando friamente aquela época, me pergunto: quem poderia fazer sucesso com guitarras elétricas em pleno AI5 e entoando letras como “Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, num sol de quase dezembro, eu vou”?

O amargor do retorno trouxe consigo um sentimento de derrota. Foi quando valeu-me o apoio de minha irmã, a enfermeira Bethânia, que sacrificou muitas de suas folgas, entre plantões na Santa Casa, para reabilitar minha auto-estima com palavras de estímulo. A ela serei grato pelo resto dos meus dias.

Tudo nesta vida é aprendizado, e para mim ficou a lição de que devemos buscar sempre a prudência e o bom-senso. Se é salutar o ímpeto revolucionário da juventude, estes devem se contrabalançar pela ponderação e pelos ouvidos abertos aos conselhos dos mais velhos. De quantos dissabores teria me poupado se cedesse aos apelos de meu pai, tentando a todo custo, na estação rodoviária, me demover da decisão de ganhar mundo sem norte definido...

Em nenhum momento me arrependi de trocar aquele projeto quixotesco pelo doce balanço da rede, após o expediente, no sobrado onde resido e onde espero enterrar meus ossos. Não nego que às vezes o bichinho do inconformismo teima em me perturbar. Mas não demora e a invencível preguiça baiana se encarrega de sufocar qualquer tentativa de amotinamento.

Bendigo a todo instante a sorte de reparar a tempo o meu erro. Poderia ser perseguido pela polícia e não estaria aqui hoje, estabilizado em minha carreira docente e titular da cátedra de português da Escola Estadual de Santo Amaro.

Sejam bons engenheiros, médicos, advogados. Sejam bons pais e boas mães de família. Sejam felizes, meus alunos!
 
 
© Direitos Reservados


Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blogs:


Seja o primeiro a comentar: