Chegavam
taciturnas, sem hábito de sorrir, sem interesse pela existência, sem vontade de
viver, revoltadas. Eram criaturas desorientadas, sem saber o que fazer, o que
iniciar porque – costumavam dizer – tudo implica em gasto, até pensar!
Muitas vezes
choravam de repente e eu me assustava – talvez não soubesse lidar com elas...
-Na favela sempre
acontecem coisas – explicava Luana, mocinha morena e bonita -, espancamentos,
implicância das vizinhas – as mulheres são piores -, adultério, maledicência. E
todas, novas ou mais velhas, todas têm problemas com os homens. Criados sem
valores, sem freios, sem disciplina, eles estão sempre metidos em confusão com
a lei, com suas várias mulheres. Estas e os filhos vivem juntos, muitas vezes
na mesma casa, na maior promiscuidade. E há também os barracos das meretrizes.
Nesse meio promíscuo, a violência se atiça, cresce feito mato daninho. Na
favela tudo que inicia termina com briga. Os que conseguem viver até a hora da
morte são heróis. Às vezes dá mesmo vontade de chorar, chorar sem parar até
morrer.
Luana era uma guerreira; fazia
faxinas pesadas todos os dias da semana para sustentar um casal de filhos e
ainda criava o filho de um irmão que estava preso. Descansava somente no dia da
aula de pintura em tela e era minha melhor aluna.
Talvez como uma compensação para uma situação tão angustiante, seus quadros ficavam excepcionais e acabaram
atraindo a atenção dos frequentadores da galeria Portland.
As suaves pinceladas dançantes do
“ Jardim” transmitiam sensibilidade, inspiração, brilho próprio da artista. O
quadro iluminava qualquer ambiente e Luana não quis vendê-lo. Preferiu expô-lo
na parede maior do seu barraco onde, como por magia, iluminava não só a sala
obscura e feia, como também a sua vida tão atribulada, enchendo-a de paz e
beleza.
O
barraco de Luana virou atração na favela. As mulheres principalmente achavam
que o quadro era mágico; só de olhá-lo, resgatavam sua autoestima, sentiam-se
quase bonitas.
Um dia o quadro desapareceu. Os
barracos não tinham qualquer segurança, eram tão vulneráveis! Luana
desesperou-se. Eu também, mas alguns dias depois, o quadro reapareceu. A ladra – Luana sabia que era mulher – o
devolvera por respeito ao sofrimento de Luana, por medo ou superstição. Quem
sabe?
Hoje ele está aqui, bem na minha frente, no XI Salão
de Outono Estou aqui na Avenue des Champs Elysées, eu, Irene, abandonada pelo
marido, pelos três filhos espalhados por aí, pelo mundo, eu, Irene, que não
ganhei prêmio algum em toda minha vida de dedicação e trabalho, eu, Irene, de
repente me sinto recompensada. Olho para Luana, pensando que afinal a
gratificação veio, sempre vem, de onde menos se espera,mas vem.
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