O Recife é uma cidade á espreita . Aguarda , pacientemente , a madrugada capenga a insinuar-se pela rua da Aurora ,o sol lambendo tímidamente o casario antigo , onde as histórias se arrumam qual tijolos em moradias ancestrais e semi mortas .O poeta em concreto , solenizado , á beira rio plantado , contempla o negror do cão sem plumas a beijar a ponte . O bêbado cumprimenta - o e passa ao largo da indiferença pétrea e cinza - morta . A sua matéria , hoje filha do outrora massapê , redivivo em singular metamorfose , antes humus - homem , agora concreto qual poema - objeto , domado em figura de homem , alí sentado , em mudo conluio com sua cidade ,á espreita do nascente , olhar perdido e fixo na estrada - serpente dágua , de sádico amor aos seus persongens , revoltos e serenos , ao sabor das marés , ao dissabor dos mangues soterrados pela ganância onipotente e parva , uma cidade semovente em água ,mais estática que a terrestre Sevilha , esta , sempre a caminhar ,em devir ensolarado , talvez mais puro que a cidade cruel , no réptil tatear pelos leitos do rio , pelas vielas escuras , onde o sol boceja antes de entrar , pois morta a visão, só o Sentido permanece.
Á João Cabral de Mello Neto, uma homenagem.
Á João Cabral de Mello Neto, uma homenagem.
2 comentários
Andre,
Ótimo Texto Poético!
"serpente dágua , de sádico amor aos seus personagens , revoltos e serenos , ao sabor das marés , ao dissabor dos mangues soterrados pela ganância onipotente e parva ,..."
Múltipla, Dissonante, Paradoxal... Recife!
Um Forte Abraço, Jorge
Prosa poética porém substantiva - seca, afiada e minimamente adjetivada, como a obra do homenageado. Um presente à altura de João Cabral. Parabéns, André.
Postar um comentário