domingo, 10 de junho de 2012

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Bígamo

Era mordido por constantes sentimentos de culpa. A minha mulher sempre fora leal e cumpridora. Tínhamos um filho mas havia qualquer coisa que me fazia sentir incompleto.
Durante vários anos tivera casos fortuitos. Não que os tivesse procurado, simplesmente mantinha uma vida social ativa e as situações foram-se proporcionando. Em todos esses casos, porém, se as coisas começassem a ficar sérias, sentia-me dividido, acabando por optar pela parte manutenção da vida familiar.
 O caso de Sofia foi diferente: desde o início as emoções deixavam-me completamente esmagado sem saber o que dizer ou que fazer. Fui começando a chegar cada vez mais tarde a casa: eram reuniões, imprevistos, por vezes congressos ou idas inadiáveis a outras cidades. Telefonava sempre, mantendo uma telepresença em casa, ao mesmo tempo que me perdia de amores irreversivelmente. A dado momento não deu mais para disfarçar. A minha mulher descobriu. Foi um drama mas eu não conseguia tomar decisão alguma.
Mantive as duas relações.
O quotidiano tem uma função apaziguadora e eu acabei por, sem o decidir, ter duas casas. Estava com a Sofia de quarta a sábado; domingo a terça com a Maria, minha mulher.
Vivemos assim quase uma década até que uma doença grave acabou por nos levar a Sofia.
Após alguns meses, manifestei a minha vontade de regressar a tempo inteiro à casa de Maria, mas ela para meu espanto recusou dizendo que as coisas estavam bem assim.
Deste modo sou homem casado de domingo ou sábado à noite até terça e nos restantes dias da semana viúvo. Foi nessas horas mortas que desenvolvi o gosto pela escrita e me resolvi a contar-vos estas minhas aventuras.
Rui Tinoco

1 Comentário

Jorge Xerxes

Rui,

Gostei do Texto: Criativo!

Grande Abraço,

Jorge