O
Documento Zero da ONU para a Rio+20 é ainda refém do velho paradigma da
dominação da natureza para extrair dela os maiores benefícios possíveis
para os negócios e para o mercado. Através dele e nele o ser humano
deve buscar os meios de sua vida e subsistência. A economia verde
radicaliza esta tendência, pois como escreveu o diplomata e ecologista
boliviano Pablo Solón “ela busca não
apenas mercantilizar a madeira das florestas mas também sua capacidade
de absorção de dióxido de carbono”. Tudo isso pode se transformar em
bonos negociáveis pelo mercado e pelos bancos. Destarte o texto se revela definitivamente antropocêntri co
como se tudo se destinasse ao uso exclusivo dos humanos e a Terra
tivesse criado somente a eles e não a outros seres vivos que exigem
também sustentabilidade das condições ecológicas para a sua permanência
neste planeta.
Resumidamente:
“O futuro que queremos”, lema central do documento da ONU, não é outra
coisa que o prolongamento do presente. Este se apresenta
ameaçador e nega um futuro de esperança. Num contexto destes, nãoavançar
é retroceder e fechar as portas para o novo.
Há
outrossim um agravante: todo o texto gira ao redor da economia. Por
mais que a pintemos de marron ou de verde, ela guarda sempre sua lógica
interna que seformula nesta pergunta: quanto posso ganhar no tempo mais curto, com o investimento menor possível, mantendo forte a concorrência? Não
sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não
propõe uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e
responsável por sua vitalidade e integridade. Antes, move-lhe uma guerra
total, como denuncia o filósofo da ecologia Michel Serres. Nesta guerra
nãopossuimos nenuma chance de vitória. Ela ignora nossos intentos.
Segue seu curso mesmo sem a nossa presença. Tarefa da inteligência é
decifrar o que ela nosquer dizer (pelos eventos extremos, pelos tsunamis
etc), defender-nos de efeitos maléficos e colocar suas energias a nosso
favor. Ela nos oferece informações mas não nos dita comportamentos.
Estes devem se inventados por nós mesmos. Eles somente serão bons caso estiverem em conformidade com seus ritmos e ciclos.
Como
alternativa a esta economia de devastação, precisamos, se queremos ter
futuro, opor-lhe outro paradigma de economia de preservação, conservação
e sustentação de toda a vida. Precisamos produzir sim, mas a partir dos
bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente, respeitando o
alcance e os limites de cada bioregião, destribuindo com
equidade os frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações
futuras e nos demais seres da comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje
através da economia biocentrada, solidária, agroecológica, familiar e
orgânica. Nela cada comunidade busca garantir sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e consumodres numa verdadeira democracia alimentar.
A Rio 92 consagrou o conceito antropocêntrico e reducionista de desenvolvimento sustentável, elaborado pelo relatório Brundland de 1987 da ONU. Ele
se transformou num dogma professado pelos documentos oficiais, pelos
Estados e empresas sem nunca ser submetido a uma crítica séria. Ele
sequestrou a sustentabilidade só para seu campo e assim distorceu as relações para com a natureza. Os desastres que causava nela, eram vistos como externalidades que
não cabia considerar. Ocorre que estas se tornaram ameaçadoras, capazes
de destruir as bases físico-químicas que sustentam a vida humana e
grande parte da biosfera. Isso não é superado pela ecocomia verde. Ela
configura uma armadilha dos países ricos, especialmente da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) que
produziu o texto teórico do PNUMA Iniciativa da Economa Verde. Com isso, astutamente descartam
a discussão sobre a sustentabilidade, a injustiça social e ecológica, o
aquecimento global, o modelo econômico falido e mudança de olhar sobre o
planeta que possa projetar um real futuro para a Humanidade e para a Terra.
Junto com a Rio+20 seria um ganho resgatar também a Estocolmo+40. Nesta primeira conferência mundial da ONU de 5-15 de julho de1972 em Estocolmo na Suécia sobre o Ambiente Humano,
o foco central não era o desenvolvimento mas o cuidado e a
responsabilidade coletiva por tudo o que nos cerca e que está em
acelerado processo de degradação, afetando a todos e especialmente aos
países pobres. Era uma perspectiva humanística e generosa. Ela se perdeu
com a cartilha fechada do desenvolvimento sustentável e agora com a
economia verde.
Leonardo Boff é autor de “Sustentabilidade: o que é e o que não é”, Vozes 2012.
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