O ANJO
7
O longo
da noite pontuava faíscas densas, amortecidas de sopros e soníferos,
enclausuradas nas membranas das horas.
Umas escusas vírgulas de vida, gastas e gulosas de existência,
requebravam-se aqui e ali, ansiosas pelos ritmos da matéria. Ariane respirava
um sono cansado, sem musicalidade, os dedos nervosos procurando a mão do amado.
-
Ângelo...
Os olhos verdes do belo perscrutavam as
sombras, sombrio, acurado, quase perspicaz. Poucos o imaginariam tão ágil e
anguloso na espreita, retilíneo na confiança de si. Deixou a moça sem resposta,
embora já a amasse. Dava-se um pouso já
que o exagero do arco do Sol, naquele
santuário, enchia-o de muito crédito na fusão de mar e céu nas horas nobres do
dia. Despertavam-lhe, porém, alguma
desconfiança, as atitudes e virtudes de algumas madrugadas. Não era essa a sua
primeira noite de suspense e secura. Talvez estivesse mais imantada nas
solidões encharcadas em que se encontravam. Talvez. dizia-se. O fato é que se
colocava, assim, com mesuras esquisitas nas quase presenças das perturbações do
ar, do ritmo, do nada.
- Deve
estar inserido na essência das coisas, a criação de cada elemento, de cada ser.
Antes de acontecer, as formas já se ensaiam na ligeireza das partículas, quase
sólidas em suas vontades.
Poderia haver criação espontânea, sem os
percalços exigidos pela matéria? Algo entre o Universo virtual e o real? Era
muito mistério, mesmo que ainda fosse virgem aquela noite, imbuída que estava
de si em um solo que tão pouco conhecia da forma humana. Também eram poucas as
espécies animais que ali viviam. Era normal que a natureza transpirasse essa
selvageria nas horas mortas. Não fora domada e acreditava-se livre para
desmanchar ou formar o instante.
Ângelo sentia-se um pouco oprimido e
mordia os lábios. Era vaidoso e não queria decepcionar Ariane, tão inteligente
e intensa nos seus vítreos e inquisitivos olhos. Estava vulnerável,
entregava-se para aquela redoma no ensejo de adaptar-se ao novo método para
tornar-se apta a uma lucidez cada vez mais exigente.
- Como
vou explicar-lhe que o único segredo é esse inexplicável estado de alerta, esse
sondar contínuo do vir a estar do meio? Seres ou partículas expressam-se de
alguma maneira antes de entornarem-se em nova vibração... a adaptação é lenta e
contínua, até um novo estar. Conceitos são elaborados para que se alcance uma
boa tese, sem exagero de finalizações, de preferência sentenças abertas.
Preciso mostrar-lhe que minha postura agressiva, displicente, suficiente, pagã e dúbia, é conseqüência
dessa guarda, que para ser mais eficiente deve situar-se numa entrega menos
centrada na carne, um pouco desligada da mente e muito segura no espírito.
Espreito o meio para saber de sua anuência à minha existência. Quero sabê-lo,
por um tempo longo e seguro, apropriado para configurar os meus delírios em uma
órbita de complexidade afeita ao vôo.
Ariane escorreu sua mão sobre o braço de
Ângelo, e sorriu.
- Não
precisa dizer-me, Ângelo, também o sei, por isso o endurecimento de minha face,
a largura de minha voz, o escurecimento da luz de meus olhos. Quero de você a
suficiência de sátiro e músico, essa evidência de comemoração, sem sombras de
sonhos e esquecimento de nuvens. Quero que me leves para o instante, o lugar
Os olhos verdes do belo perscrutavam as
sombras, sombrio, acurado, quase perspicaz. Poucos o imaginariam tão ágil e
anguloso na espreita, retilíneo na confiança de si. Deixou a moça sem resposta,
embora já a amasse. Dava-se um pouso já
que o exagero do arco do Sol, naquele
santuário, enchia-o de muito crédito na fusão de mar e céu nas horas nobres do
dia. Despertavam-lhe, porém, alguma
desconfiança, as atitudes e virtudes de algumas madrugadas. Não era essa a sua
primeira noite de suspense e secura. Talvez estivesse mais imantada nas
solidões encharcadas em que se encontravam. Talvez. dizia-se. O fato é que se
colocava, assim, com mesuras esquisitas nas quase presenças das perturbações do
ar, do ritmo, do nada.
- Deve
estar inserido na essência das coisas, a criação de cada elemento, de cada ser.
Antes de acontecer, as formas já se ensaiam na ligeireza das partículas, quase
sólidas em suas vontades.
Poderia haver criação espontânea, sem os
percalços exigidos pela matéria? Algo entre o Universo virtual e o real? Era
muito mistério, mesmo que ainda fosse virgem aquela noite, imbuída que estava
de si em um solo que tão pouco conhecia da forma humana. Também eram poucas as
espécies animais que ali viviam. Era normal que a natureza transpirasse essa
selvageria nas horas mortas. Não fora domada e acreditava-se livre para
desmanchar ou formar o instante.
Ângelo sentia-se um pouco oprimido e
mordia os lábios. Era vaidoso e não queria decepcionar Ariane, tão inteligente
e intensa nos seus vítreos e inquisitivos olhos. Estava vulnerável,
entregava-se para aquela redoma no ensejo de adaptar-se ao novo método para
tornar-se apta a uma lucidez cada vez mais exigente.
- Como
vou explicar-lhe que o único segredo é esse inexplicável estado de alerta, esse
sondar contínuo do vir a estar do meio? Seres ou partículas expressam-se de
alguma maneira antes de entornarem-se em nova vibração... a adaptação é lenta e
contínua, até um novo estar. Conceitos são elaborados para que se alcance uma
boa tese, sem exagero de finalizações, de preferência sentenças abertas.
Preciso mostrar-lhe que minha postura agressiva, displicente, suficiente, pagã e dúbia, é conseqüência
dessa guarda, que para ser mais eficiente deve situar-se numa entrega menos
centrada na carne, um pouco desligada da mente e muito segura no espírito.
Espreito o meio para saber de sua anuência à minha existência. Quero sabê-lo,
por um tempo longo e seguro, apropriado para configurar os meus delírios em uma
órbita de complexidade afeita ao vôo.
Ariane escorreu sua mão sobre o braço de
Ângelo, e sorriu.
- Não
precisa dizer-me, Ângelo, também o sei, por isso o endurecimento de minha face,
a largura de minha voz, o escurecimento da luz de meus olhos. Quero de você a
suficiência de sátiro e músico, essa evidência de comemoração, sem sombras de
sonhos e esquecimento de nuvens. Quero que me leves para o instante, o lugar
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