Aparentemente tudo fluía e funcionava. A cadela a seus pés realizava o que havia de fidelidade e entrega incondicionais. O céu azul e os sons do domingo sobrepunham-se levemente. Das vielas os risos e saudações diziam do prazer do encontro e uma ou outra tosse não o turvava.
Núbia, contudo, sentia-se embaçada. Como um espelho no vapor d´água pouco mostrava de seu brilho e o cotidiano a incomodava em sua secura.
Ocupava o horizonte. Soltara-se das raízes já havia alguns anos e voar era impossível. Metáfora antiga e empoeirada, as asas mantinham-se fechadas e rentes ao corpo. Núbia não tentava alçar voos e o consentimento das asas a comovia.
Sorriu, ao constatar o quanto precisava de novas raízes, alguma rotina e lençóis de algodão. Aqueles de seda, belos e caríssimos, potencializavam sua sede. Tinha uma paixão acesa e seca.
Núbia não se refugiava no que vivera. O passado não adentrava o presente senão para desdobrar-se em efeitos que iluminavam sua vontade.
Aprumou-se quando a vizinha a chamou do portão. Atendeu-a, deu-lhe a xícara de açúcar e um sorriso.
À porta entreaberta rangia o dia. Aquele coração que acordara solitário e sem sonhos rendeu-se à marcha natural das coisas. Nela, a existência da grande força que tudo comanda...
Sonia Regina
Núbia, contudo, sentia-se embaçada. Como um espelho no vapor d´água pouco mostrava de seu brilho e o cotidiano a incomodava em sua secura.
Ocupava o horizonte. Soltara-se das raízes já havia alguns anos e voar era impossível. Metáfora antiga e empoeirada, as asas mantinham-se fechadas e rentes ao corpo. Núbia não tentava alçar voos e o consentimento das asas a comovia.
Sorriu, ao constatar o quanto precisava de novas raízes, alguma rotina e lençóis de algodão. Aqueles de seda, belos e caríssimos, potencializavam sua sede. Tinha uma paixão acesa e seca.
Núbia não se refugiava no que vivera. O passado não adentrava o presente senão para desdobrar-se em efeitos que iluminavam sua vontade.
Aprumou-se quando a vizinha a chamou do portão. Atendeu-a, deu-lhe a xícara de açúcar e um sorriso.
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À porta entreaberta rangia o dia. Aquele coração que acordara solitário e sem sonhos rendeu-se à marcha natural das coisas. Nela, a existência da grande força que tudo comanda...
Sonia Regina
8 comentários
Sonia,
Bela e Sensível Narrativa!
"A cadela a seus pés realizava o que havia de fidelidade e entrega incondicionais."
"Núbia, contudo, sentia-se embaçada."
Um Beijo! Jorge
Belo personagem , " um inconsciente que se realizou " (Jung) ,conduzido entre belas metáforas a serviço de uma narrativa primorosa.Parabéns.
Jorge,
Legal que apreciou. É esse um capítulo (se assim se puder dizer) de um outro romance: Núbia dos Prazeres, uma personagem que estou curtindo muito.
Foi muito bom ter esse teu retorno, e o do André: quase tirei esse post. Estava na dúvida se era pertinente sem mais dados acerca da personagem, sem um texto introdutório.
E eu mesma não tenho te dado nenhum retorno, amigo, o que lamento muito, mas minha relação com as palavras anda um tanto estressada. Li teu desabafo no outro dia e acho que você tem toda razão.
Um beijo carinhoso
da Sonia
André, super thanks!
Digo a ti o que disse ao Jorge: ando lamentando não dar a vocês um retorno como os que têm me dado. Minha escrita anda arisca e eu ando intolerante com ela. O resultado é essa ausência de comentários aos posts dos confrades, o que não me agrada.
Fico feliz que o texto tenha te tocado bem. Muito me agrada escrever sobre essa personagem que me é tão simpática.
Beijo grande
da Sonia
Sonia, bela construção. Parabéns!
Beijos,
Tânia.
Ah! o introspectivo se esbarrando/se espantando com o fluir das coisas... muito bom!
Tânia, obrigada, principalmente se tratando de você, cuja escrita é primorosa. Beijos
da Sonia
Pablo, legal o que diz, por vezes sinto a mesma coisa dos meus textos. Obrigada pelo comentário.
Beijo
da Sonia
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