quarta-feira, 11 de julho de 2012

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Clepsidra*

De uma torneira deixada aberta imprudentemente escorre um fio d’água. Um metro à frente da torneira a primeira obra do fio d’água: uma poça límpida e cristalina onde passam pássaros nuvens aviões. Do corpo líquido da poça a água se espalha em todas as direções e ganha as ruas da cidade, alagando becos vielas e avenidas. Bueiros sibilam, arrotam e devolvem para as ruas a água que as ruas queriam nos bueiros. Palmo a palmo então a água ocupa os seus espaços, sem piedade: o prédio da prefeitura, os bancos, uma delegacia perplexa, as lojas e as caixas registradoras, o hospício, o puteiro, a prisão, o último andar do edifício mais alto. Não satisfeita ainda, a água termina por subir o morro onde está plantada a igreja. sem cerimônias invade a liturgia, consome as hóstias e abrevia o encontro dos fiéis com o Criador. Sem que coisa alguma possa deter o seu avanço, ganha finalmente as escadarias que conduzem à torre do relógio e lá se instala, retomando para si o direito a uma função que há muito lhe pertencera. 

* O significado está lá fora. Ou melhor, no dicionário.

1 Comentário

andre albuquerque

Belo , criativo, engenhoso tal a clepsidra, marcando a vida , sendo a vida, também.