domingo, 29 de julho de 2012

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Pequenas histórias 007







                                                             A fila estava

A fila estava comprida. Já formava a quarta quando cheguei. Apesar dos meus passos acelerados não sei por que, pois não havia necessidade de pressa, talvez meu subconsciente já esperasse pelo tamanho da fila, foi então que comecei a formar a quinta, Isto é, tinha duas pessoas, uma mulher e um homem, eu fui à terceira.
Fila é bem interessante. Qualquer fila. Ouve-se e se vê de tudo. Prestem atenção. Preferencialmente a fila do ônibus. Prestem atenção calmamente, sem aquela pressa de ir embora, sem a angústia da fila ser grande, sem o medo do empurra ou do ônibus demorar ou, ainda, de encher. Preste atenção, você vai se divertir. Garanto. Abra os sentidos, aguce a audição, abra os olhos, sinta o cheiro, o cheiro então... Ah é o principal. Veja o vai e vem, os que chegam, os impacientes que saem da fila para pegar outro ônibus talvez, mais rápido. Os penetras que querem passar a frente dando uma de João sem braço, os velhos, as grávidas, as crianças, os jovens, você vai presenciar surrealidades que nenhuma arte conseguirá transmitir.
Há uma senhora japonesa, deve ser japonesa, não sei identificar quando é japonês ou chinês, são todos de olhos puxados, essa senhora é baixinha, deve ter seus setenta e qualquer coisa. Quando ela chega, não pede licença, entra na frente de quem for e não está nem aí. Uma tarde estava já quase com pé no degrau do ônibus quando ela apareceu. Toda serelepe passou na minha frente, me empurrando como se fosse gente importante. Resmunguei:
- Oh! Mal educada não pede licença pelo menos não é?
Não deu nem pelota. Passou a catraca e foi sentar no banco lá no fundo do ônibus.
A meu ver o governo deveria acabar com esse negocio de que “jovem” com mais de sessenta anos não pagam condução. Acabar com a carteirinha especial e outros benefícios. Pois o “jovem” não é disso que precisa, o que eles precisam é de respeito, de bom atendimento na saúde, e a atenção dos filhos, mulher e parentes. Dar uma condição para eles, mesmo sendo “jovem”, saberem que ainda tem uma pequena parcela para que se sintam úteis, e não inúteis, velhos, jogados no canto da vida a espera da morte.
Acho que isso só faz criar monstrinhos como essa senhora. Faz com que se sintam humilhados, arrogantes, orgulhosos, como se dissessem:
- Tenho direito e daí, o que você tem com isso?
Não sou estudioso sociológico ou filantrópico, mas acho que essa não é a melhor maneira de tratar os “jovens” aposentados do meu querido e sofrido e roubado Brasil. É o que eu penso.
Outra coisa. Talvez pior que a condição dos nossos “jovens” – eu inclusive que já faço parte dessa “juventude” acima dos sessenta  – é o que presenciei outro dia no metrô.
Encaminhava-me para o ponto da plataforma onde pegaria o metrô, quando uma paraplégica passou por mim quase por cima do meu pé esquerdo. Se não fosse o pulo que dei terei amassado os meus queridos dedos sem unha encravada.
- Oh apressada, não vê por onde passa, não? – gritei, no que ela não deu atenção
Chegando ao ponto onde pegaria o metrô, lá estava ela, parada esperando o trem também. O pior que ela não pegou nem o primeiro e muitos menos o segundo ficou ali atrapalhando quem queria entrar. Atrás da cadeira, por sinal, motorizada, ultimo modelo, estava escrito em inglês:
- Não se estresse.
Como não se estressar com uma pessoa como você, pensei com meus botões.
Se existe reencarnação você voltará várias vezes para ver o que é bom. Tive ímpetos de jogar cadeira e dona na linha do trem. Tenho culpa se a vida foi ingrata para ela? Tenho? Claro que não. Sabe, não tenho pena dessas pessoas. Criança sim, pois são puras, inocentes, não sabem o que lhe acontecem. Como os “jovens”, os deficientes são arrogantes, prepotentes, se sentem donos do mundo, tudo porque se acham privilegiados, isto é, a situação deles é que fazem serem privilegiados. A sociedade deve tratá-los com igualdade, como trata qualquer um. Ficam com essa de privilegiados, com regalias aqui outra li, é isso que dá pequenos monstros que não estão nem aí com os outros. Sinceramente não tenho pena delas, fora os deficientes visuais, trato todas com a mesma igualdade. É claro que estou sendo rigoroso, dar condição para que elas possam se locomover, tudo bem, mas fazerem delas uns coitados acho errado.
Bom, todo esse preâmbulo, esse bla bla foi para que sentissem o clima de uma fila, pois o que vou lhes contar é um fato que ocorreu ontem no ponto do ônibus do Tatuapé. Nada de interessante, mas ridículo surrealmente falando.
O sujeito, magro, de cor ou preto ou negro credo! Esse negócio de preconceito não sei como dizer, bom, um sujeito magro, alcoolizado por duas vezes cutucou o ombro do cara que, também moreno, estava a minha frente. Não sei o que falaram, mas logo o sujeito magro foi despistado.
Ele andou de um lado para o outro, segurando um saco de lixo. Falou com um, falou com outro, ninguém lhe deu atenção. Por fim, se postou na primeira fila e lá ficou, até que o ônibus chegou. E no empurra e empurra, entrou. Na catraca dificultou o pessoal passar. Gesticulava, falava, o cobrador também, gesticulava, falava, vai se saber o que estaria acontecendo, o que estariam falando. Por fim, o ônibus fechou a porta e saiu levando-o. Suspiramos aliviados, pois vai que ele desce e fica nos azucrinando.
Logo em seguida, um funcionário do metrô conduz uma deficiente visual.
Coloca-a no começo da fila. Não quis entrar no ônibus que tinha naquele momento parado no ponto. Calmamente acende um cigarro e fica fumando. Saiu um ônibus, chega outro e, ela não quer entrar, quer fumar o seu cigarro.
Nada de mais. Pois bem, quando sai, depois do quinto ônibus, ela estava lá fumando seu cigarro pouco se lixando com o que se passava ao seu lado. Só que atrapalhava a entrada dos que queriam pegar o ônibus.
Vá entender o indivíduo encalacrado no seio da humanidade sem saber como
se portar como cidadão na sociedade.

pastorelli

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