segunda-feira, 20 de agosto de 2012

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Corpo Oco






- Imagem: Lucian Freud



Eu ansiava ouvi-lo. Um lampejo que fosse. Uma lamentação, um apelo seu, qualquer coisa seria o suficiente, mas que ele viesse e me dissesse algo, e que daí, desse esforço, nos brotasse sei lá, uma memória, uma memória bem antiga, o bastante para avivar o instante. Mas não. Ele ali calado. Sem esboçar a mínima reação. E desconfiei de que esse homem aí talvez padecesse de alguma aversão a palavra, que eu ali não passasse de um mero espectador de seu silêncio. Toquei-o, e suas mãos eram frias. Me perguntei, então, se ele ali já não sofria de uma certa evasão do cotidiano. Se naquele corpo, aquele mesmo, com a cabeça como que pendida do cansaço, se naquele corpo já não habitava a total falência da vida. Vamos, não seja esse corpo oco a me tomar o instante, quase que gritei em tamanho desespero, mas isso meio que se perdeu no meio do caminho, como que num travo duro na garganta, e tudo o que pude foi chorar, um choro convulso. Enviuvei nessa tarde...

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