sábado, 22 de setembro de 2012

0

Compensação - Capítulo III


 

III

Passaram-se vários dias. Ele ligava todas as noites para conversarmos durante uma hora. Quando dava o horário ele falava: - ‘amanhã conversamos mais, você precisa levantar cedo e não quero atrapalhar sua vida’.

 Após um mês de telefonemas, almoços, alguma conversa na porta do trabalho, ele sumiu. Sumiu assim, sem dizer nada. Ficou três dias sem aparecer, nem telefonar.  No terceiro dia na hora do almoço, quando descia as escadas, eu o vi. Lá estava no mesmo lugar de sempre, esperando. Meu coração deu um salto. Estava feliz! Sim, estava feliz por ele estar ali esperando no mesmo lugar, sorrindo, bem vestido como sempre, cheiroso, com aqueles incríveis olhos azuis que me fascinavam.

- Feliz por me ver? - disse ele vindo a meu encontro.

- Por incrível que pareça estou. Por onde andou esses dias? Fiquei preocupada.

- Ficou preocupada? Isso é bom sinal! - riu com aquele jeito meigo dele.

- Está bem. Deixe de brincar comigo e me desculpe, afinal não tenho nada a ver com sua vida.

Eu falava atabalhoadamente, um tanto sem jeito.

- Bobinha! É claro que tem! Vamos almoçar. Tenho algo muito importante para lhe dizer.

Tomou a  minha mão e fomos ao melhor restaurante da cidade.

 Ele falou:

- Hoje vou lhe fazer uma proposta. Você pode aceitar e me deixar feliz, ou levantar e sair sem dizer nada, e então serei o homem mais infeliz da terra. Tudo depende de você aceitar ou não.

- Espere! Não sei ainda o que você vai propor, mas imagino. Por isso, preciso lhe dizer algo que você nunca perguntou, mas que para mim é muito importante.

Ele sorriu. E aquele sorriso me dizia que não havia nada que ele não soubesse a meu respeito.

- Sou separada de meu marido, por isso vivo sozinha. Preciso trabalhar para viver, ganho pouco e gosto de gastar muito. Nunca havia falado isso porque achei que você não era importante para mim, apenas um homem que estava de passagem pela cidade e que logo iria embora sem deixar rastro. Aliás, achei que havia acontecido isso quando sumiu por esses três dias.

- Desculpe! Não queria lhe deixar triste, nem desapontá-la. Fui à capital fazer algo muito importante.

E tirando uma pequena caixinha forrada de cetim de sua carteira, abriu-a colocando-a em minha frente. Dentro havia o mais lindo anel de brilhantes que eu já vira. Olhei para aquele homem gentil que me olhava com seu sorriso doce e meigo.

- Sei que você não pode casar porque é separada, mas podemos viver juntos, e esse anel está pedindo para estar em seu dedinho, assim como eu estou pedindo para estar em seu coração.

- Você é imprevisível! Ou melhor, previsível.  Nem sei. Você me confunde.

Fiquei rolando o anel entre os dedos por algum tempo. Olhava para o anel, depois para o rosto do homem que o dera. Pensava em como lhe dizer, que embora não soubesse até aquele momento, mas era isso mesmo o que queria. Queria muito, mas tinha medo.

- Tenho muito medo de errar novamente... tenho medo de ser infeliz... gostaria que ...

- Não diga nada! Sei o que está sentindo - falou enquanto segurava minha mão delicadamente.

Foi o que bastou. Sua mão acariciando suavemente a minha, seu olhar doce, sua fala meiga, aceitei o pedido. E naquele mesmo dia, ele mudou suas coisas para minha casa. Fez-me deixar o emprego, disse que tinha o bastante para vivermos os dois e mais duas gerações sem preocupações.

E assim vivemos durante vinte anos como se casados fôssemos. A sociedade nos acolheu (é fácil acolher quem tem dinheiro), e tivemos todos os momentos felizes que se possa imaginar. Nenhum dia de minha vida com ele precisei chorar.  Nenhum dia tive que me preocupar onde ele estava, pois estava sempre comigo.

Tivemos dois filhos, uma moça que está com dezenove anos e estuda no primeiro ano de medicina. Um rapaz, hoje com dezessete anos, o mesmo nome do pai, estuda em um seminário. Vai ser sacerdote da Igreja Católica.

Seja o primeiro a comentar: