Há duas horas
rodando, a chuva tamborila sobre a minha cabeça , a cidade é um aguaceiro só .
Sinal ligado, carro frio, vidros embaçados , mesmo com o aquecedor dando tudo
.Chove. Somem os buracos , os guardas de trânsito e os meus passageiros .
Nenhum ponto
onde parar pra tomar um café e papear á toa . Água sobre todas as coisas e
intenções . Na frente do restaurante chinês , alguém acena , apenas um vulto e
a esperança de pelo menos, levantar o calcanhar da merda .Uma mulher , morena
,esguia , num casaco que não dissimula o corpão bem modelado.
Ordena aeroporto
.Desligo o sinal . Finalmente ocupado, uma promessa de boa corrida , desde que
pinte um retorno , com um tempo desses. O retrovisor interno me oferece uns
olhos congestionados e duros , uma firmeza que se estende a um queixo decidido
e seios firmes , tesudos, num decote ousado e molhado de chuva , casaco aberto ,
mas um jeito sisudo ,de pé atrás . Uma voz tranqüila pergunta se pode fumar
;claro , o meu coração é de Jesus e o pulmão da Souza Cruz, há vinte e seis
anos, respondo , em troca de um riso e do clique do isqueiro , um Zippo novinho
, iluminando olhos negros,de uma beleza diferente , meio escandalosa , mistura
de safadeza e orgulho , batidos num liquidificador com meio copo de campari e
uma rodela de limão galego ,aquecendo a alma.
Seguimos , rastreados
pelo temporal em evolução . Engarrafamos umas três vezes ; não basta a chuva ,
ainda existem as murrinhas que parecem hibernar com o tempo frio e ficam bestando
, sob um sinal de trânsito .Digo um palavrão, peço desculpa , quando lembro que
graças ás murrinhas consigo espaço nessa cidade louca e fica bem ser educado
com uma mulher tão gostosa , tão perto e tão distante de mim .
Á nossa frente, a avenida que leva ao aeroporto:
um tosco piscinão, de um lado a outro. Os maloqueiros já na espreita , sob as
marquises , esperando os carros estancarem , para a aproximação com olhar
caridoso e risinho sádico, cobrando vinte paus pelo auxílio luxuoso do empurra
e da flanela esfarrapada para enxugar sabe Deus o que, além do meu bolso. Coço
a cabeça , olho para trás ,tal um culpado desse aguaceiro todo; sugiro pegar
uma transversal , ela sorri dessa vez com a boca e os olhos negros , brilhantes
, profundos como o rio do inferno ,um dar de ombros como resposta .
Rodamos uns dois
quilômetros, até esbarrar noutro rio de chuva, já com o aeroporto á vista .
Engato uma ré , mas ela pede pra parar . Pergunta o preço da corrida, tira o
dinheiro da bolsa , pega um revólver .38 do bolso esquerdo do casaco , coloca
na bolsa , abotoa o casaco , passa-me o dinheiro , agradece , sai do carro e
caminha pela divisória das faixas de
trânsito . A chuva diminui um pouco . Na calçada , as árvores erguem seus
galhos nus , como quem implora.
4 comentários
Genial Meu Amigo e Colega das Letras!!!
"...o meu coração é de Jesus e o pulmão da Souza Cruz, há vinte e seis anos, respondo , em troca de um riso e do clique do isqueiro , um Zippo novinho , iluminando olhos negros,de uma beleza diferente , meio escandalosa , mistura de safadeza e orgulho , batidos num liquidificador com meio copo de campari e uma rodela de limão galego ,aquecendo a alma."
Forte Abraço, Jorge
Valeu a fantástica corrida, André. Pode ficar com o troco!
Abraços.
Jorge,grato pelo olhar,meu amigo.Forte abraço.
Marcelo: Grato pelo olhar; Forte abraço.
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