LUNA
3.
- Selvagens – Mona ria - selvagens. Homens e pássaros, feras e
vítimas. Selvagens, sabedores, joguetes e foguetes, frações e fractais da nave.
Ainda...
Em alguns meios domava-se a enervante energia do caos, da vida. Tão
bela. Podia-se também acompanhar, em outros lugares da nave, a turbulência.
Muitos desertos, muitos ermos e termos resultantes daquela selvageria. E era
Bela, com maiúscula, aquela ardente selvageria.
- Não sou selvagem – dizia-se - mas
gosto de me alimentar da fúria, creio mesmo que sinto alguma nostalgia de sua
ausência. É um bom tempero, belo condimento para a alma, mas não ampara o
espírito. Segundo Amilton devemos assentar-nos ao meio no decoro, na linha, que
suave, é reta, e, no abstrato, que vertical, esclarece. Apazigua. Apolíneo e
desportivo, sereno e quase moreno. Porém, nem tudo, nem todos, existem
coalizões, sugestões, visões. Alma, essa casa do espírito, um luxo, talvez. É,
talvez precise enamorar-me...
Muito se riam dela as mulheres, fossem quem fossem, profetisas,
sacerdotisas, lisas, ascetas, aldeãs. Faltava-lhe o abraço quente de um homem e
fazer o pão, é o que lhe diziam.
Já os homens, não, esses lhe escutavam todos os miúdos, sempre sisudos,
reverentes, acompanhando com denodo a curva, às vezes curva, de suas
inspirações. Respeitavam-na. E não achavam que precisasse de pão. Era como
eles, filha das curvas, dos abstratos, dos retintos requintes da derivação. E
filtrava-se no deus. Nenhum deles era
porto ou fé de uma vida. Se as fêmeas gostavam de procriar era outra história.
Com a qual elas faziam suas estórias. Era um instinto, um lar, uma invencionice
de fitas e prendas. Eles nasceram na caça e nas letras. Entendiam-na. Dela não
se riam, mas tampouco a bendiziam.
Assim tão crua e pouco amaciada pelos humanos, derivava e divagava.
- Querem que esclareça, que faça
parte dos folguedos, fora da rotina e dos enredos. À parte da parte, devo ajudar
a consolidar. E que divague nas longas tardes essas vigorosas e seviciadas
pontes de vida.
E por teimosia abria os olhos em algumas noites nuas, ciente da
oscilação e do temor dos elementos. Dessas noites não recebia nenhuma adulação,
nenhuma compreensão. Quase sempre era
uma espreita, um consultar de morte, uma valente ciência de possibilidades.
- Mesmo as árvores, tão divinas em
sua espiritualidade, rendem-se ao bruxo ébrio que oscila no núcleo, quando
silencia a entropia do astro.
Era um princípio e uma
dissolução. Gostava dela assim, livre de proteção, de orientação. O silêncio,
indômito, ciente de vitória. Era mais honesto.
- Procuro emoções? Certezas?
Sensações? Perfumes? Romances? Nuances? Movimento?
O vento frio varava a cabana no principio da madrugada. Existia uma
ciência, uma compreensão que quase materializava.
O bosque, majestoso e altivo sobre a brisa da lua, levantava-se. Conhecia-se
e não se acanhava. Não ali, aonde encontrava os muros fortes de um castelo e
seus cientes. Protegia-se como um bruxo, talvez um santo, assumido em suas
feições, concordou Mona. Quanto muito se permitia algum altar de pedra moída e
branca, andorinhas, enfeites de madrepérola. Quando muito. Fará seu vento, mas
já se ornou de seus pastéis de azuis e circuncisão. Sou sua filha e sua
vidente. Filtro-me em suas veias. Se quiser extrair mais leite deverei
enfrentá-lo em alguma derrota, algum desvio. Para vê-lo e ver-me. E orar,
começando na ponte uma outra paz. Pois pedras que sedimentam são altares, as
que arregimentam para o futuro, uma visão. Como deve ser.
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