quarta-feira, 17 de outubro de 2012

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LUNA 3 - JANDIRA ZANCHI






LUNA

3.

- Selvagens – Mona ria -  selvagens. Homens e pássaros, feras e vítimas. Selvagens, sabedores, joguetes e foguetes, frações e fractais da nave. Ainda...
     Em alguns meios domava-se a enervante energia do caos, da vida. Tão bela. Podia-se também acompanhar, em outros lugares da nave, a turbulência. Muitos desertos, muitos ermos e termos resultantes daquela selvageria. E era Bela, com maiúscula, aquela ardente selvageria.
- Não sou selvagem – dizia-se - mas gosto de me alimentar da fúria, creio mesmo que sinto alguma nostalgia de sua ausência. É um bom tempero, belo condimento para a alma, mas não ampara o espírito. Segundo Amilton devemos assentar-nos ao meio no decoro, na linha, que suave, é reta, e, no abstrato, que vertical, esclarece. Apazigua. Apolíneo e desportivo, sereno e quase moreno. Porém, nem tudo, nem todos, existem coalizões, sugestões, visões. Alma, essa casa do espírito, um luxo, talvez. É, talvez precise enamorar-me...
     Muito se riam dela as mulheres, fossem quem fossem, profetisas, sacerdotisas, lisas, ascetas, aldeãs. Faltava-lhe o abraço quente de um homem e fazer o pão, é o que lhe diziam.
     Já os homens, não, esses lhe escutavam todos os miúdos, sempre sisudos, reverentes, acompanhando com denodo a curva, às vezes curva, de suas inspirações. Respeitavam-na. E não achavam que precisasse de pão. Era como eles, filha das curvas, dos abstratos, dos retintos requintes da derivação. E filtrava-se no deus.  Nenhum deles era porto ou fé de uma vida. Se as fêmeas gostavam de procriar era outra história. Com a qual elas faziam suas estórias. Era um instinto, um lar, uma invencionice de fitas e prendas. Eles nasceram na caça e nas letras. Entendiam-na. Dela não se riam, mas tampouco a bendiziam.
     Assim tão crua e pouco amaciada pelos humanos, derivava e divagava.
- Querem que esclareça, que faça parte dos folguedos, fora da rotina e dos enredos. À parte da parte, devo ajudar a consolidar. E que divague nas longas tardes essas vigorosas e seviciadas pontes de vida.
     E por teimosia abria os olhos em algumas noites nuas, ciente da oscilação e do temor dos elementos. Dessas noites não recebia nenhuma adulação, nenhuma compreensão.  Quase sempre era uma espreita, um consultar de morte, uma valente ciência de possibilidades.
- Mesmo as árvores, tão divinas em sua espiritualidade, rendem-se ao bruxo ébrio que oscila no núcleo, quando silencia a entropia do astro.
     Era um princípio e uma dissolução. Gostava dela assim, livre de proteção, de orientação. O silêncio, indômito, ciente de vitória. Era mais honesto.
- Procuro emoções? Certezas? Sensações? Perfumes? Romances? Nuances? Movimento?
     O vento frio varava a cabana no principio da madrugada. Existia uma ciência, uma compreensão que quase materializava.
     O bosque, majestoso e altivo sobre a brisa da lua, levantava-se. Conhecia-se e não se acanhava. Não ali, aonde encontrava os muros fortes de um castelo e seus cientes. Protegia-se como um bruxo, talvez um santo, assumido em suas feições, concordou Mona. Quanto muito se permitia algum altar de pedra moída e branca, andorinhas, enfeites de madrepérola. Quando muito. Fará seu vento, mas já se ornou de seus pastéis de azuis e circuncisão. Sou sua filha e sua vidente. Filtro-me em suas veias. Se quiser extrair mais leite deverei enfrentá-lo em alguma derrota, algum desvio. Para vê-lo e ver-me. E orar, começando na ponte uma outra paz. Pois pedras que sedimentam são altares, as que arregimentam para o futuro, uma visão. Como deve ser.  

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