quarta-feira, 31 de outubro de 2012

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LUNA 5 - JANDIRA ZANCHI





LUNA



5.

     Mona tinha um pequeno terraço de laje branca, estrangulado em um parapeito de paredes caiadas, debruçado para um jardim de pássaros discretos e flores graciosas. Ali, esquecia-se de qualquer brevidade, matutando do infinito, aspirando ruídos alegres e fugitivos do cotidiano. Era um assento de presenças e distancia aonde podia decidir-se, na agradável brisa, ao isolamento dos livros e dos sonhos, ou a buscar, quando algumas frases ou alegrias a decidiam, a companhia de outras pessoas.
     Era feito esse seu pequeno espaço de forma a nunca aborrecê-la ou entristecê-la, era um fio de neve colorido e brando a sua janela para o mundo. Nem largo ou estreito demais, fornecia ainda a brisa amiga da noite e duas ou três estrelas para a viagem do sono.
     Naquela tarde Mona percebeu as primeiras  securas nos estreitos vértices dos amados caminhos. Ainda eram os mesmos risonhos riscos nas fadas do jardim. Continuava a  poder reconhecer a vida dos insetos e aves que por ali passavam, as pequenas miudezas que alteravam a curva de uma árvore, a dança das plantas e as homenagens das flores. Mas, o encanto, o mistério sofriam seus primeiros arranhões, como se uma pequena, quase inaudível nota destoasse em uma sinfonia prazerosa.
     A moça soltou um profundo suspiro ainda na perita apresentação da tarde. Distraiu-se do meio que sempre a embalara como um ventre generoso e sutil e, arquivou-se em si. Surpreendia-se dos membros, da pele, apalpava os cabelos. Correu-se a olhar-se no espelho – sabia-se bonita – e algum pulso de seu olhar dissolveu tantos anos de fantasias e amenidades. Um despertar muito longo, ditado de eras e entidades que não concebia, uma curva de cinismo na covinha, e o mundo curvou-se – talvez por poucos segundos – em uma revelação transformadora.
        Não era só essa, levitada, flutuando na linha e no longitude das santas árvores. Talvez, ditado no topo das mesmas,  houvesse um outro coro, abstrato, matriz e fundido em um núcleo e em um cosmo vigoroso, amante dos frutos da terra. Aceitou-o como um pai ou um mestre ou um bruxo ou um ímpio, mas queria vê-lo ainda, nesse lento e aspirado jardim, amenizado na cálida e profusa vida dos homens, distanciado no sonho, amigo, compartilhado e comedido. Em si e afastado, como sempre fora.
     Era preciso empreender alguma forma de viagem que não temia, mas que tampouco compreendia. Acima, abaixo, mais  alta ou mais densa, em forma ou em mente? Voltaria, só em corpo? Em alma? Com essa mesma?  Talvez, como faziam quase todos, fosse melhor deter-se na jóia de si mesma, porém – e não saberia precisar quando a outra ponta do sonho se revelara -  o encanto , o ruído da copa das longas árvores, o suor da noite vertendo uma madrugada de presenças e ciências, enfim tudo o que não se traduz à mente e aos sentidos no momento presente,  já se insinuara.

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