O CARRO DO SOL - LUNA
6.
Havia no palácio uma ala,pouco frequentada,
com extensos corredores de pedras gastas e pouca mobília, tão lúgubre que
parecia a imagem de um purgatório
medieval. Vez em quando, nas primeiras horas da noite, Mona procurava esses salões. Percorrer esses
lúgubres caminhos dava-lhe conforto, embora não pudesse evitar a apreensão, a
desconfiança da profundidade, da secura
do lugar. Mantinha o coração em suspenso enquanto se assegurava de que era
aceita, bem vinda pela frequência, tão nítida,
que envolvia como um indivíduo.
O destino sempre era um extenso terraço que circundava o local com
seus vasos de bronze e paisagem de neblina. Percorria esse terraço dando-lhe
voltas vezes seguidas, inebriada com a vertigem ácida e perfumada que o
envolvia. Ali era sempre noite e nunca divisou mais do que um céu sem estrelas.
Mas, a vitalidade e o bem estar que
sentia a cada visita sempre a deixaram intricada.
- Esse é um portal para a morte ou é
a morte, e sempre essa paz...
Uma paz sem formas e sem medo.
Uma terra sem conquistas e desafios, vivente por si, de alma humana e firmeza
divina. Um estágio sem cor e sem lua, movido das naves que já não esperam.
Nos
dias que se seguiam a este peculiar passeio sentia os sentidos tornarem-se mais
aguçados. Podia, com maior intensidade que costumeiramente, embriagar-se da vida e sua luxúria de formas e
cores. Os gestos comuns do dia a dia
tornavam-se mais leves, feitos com pouca angústia, encaixando-se nas diversas
faces das muitas práticas com precisão.
Parecia contraditório que a visita a um lugar que transpirava morte,
dissolução, lhe desse tanto bem estar e a capacidade de viver. Nem um céu de outono no
fim da tarde ou a alegria primaveril cantada nas manhãs de louros pássaros a enchiam
de tão suave bonomia.
- Cobre-me como um manto de rosas,
um paraíso quase sem vida – dizia-se
nessa noite. E não conseguia evitar as lágrimas, pois sabia que ia abandoná-lo.
E para que, perguntava-se? Para enfiar nos braços a estória de uma vida, a
trajetória de dados e fatos, murmúrios e sustenidos. Antes entregar-se à
perfeição daquele deserto ácido e noturno.
Fez, dessa feita, um encontro mais breve com
a linguagem daquele lugar. Talvez, nos próximos muitos anos, não conseguisse mais
descobrir a entrada desse portal. Se não
fosse pela lembrança da água - essa eterna namorada de almas sãs ainda que amante das nostálgicas - talvez nenhuma outra
recordação do mundo da cor e da luz a faria deixar essa última noite. Mas, o
fez, pela impiedade da carne, da sina e do desejo. Sim, fundido em água, o desejo,
o rio do prazer e a taça que consome toda manifestação de vida.
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