quarta-feira, 7 de novembro de 2012

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LUNA 6 - JANDIRA ZANCHI


 


O CARRO DO SOL  -  LUNA 
6.

       Havia no palácio uma ala,pouco frequentada, com extensos corredores de pedras gastas e pouca mobília, tão lúgubre que parecia a imagem  de um purgatório medieval. Vez em quando, nas primeiras horas da noite,  Mona procurava esses salões. Percorrer esses lúgubres caminhos dava-lhe conforto, embora não pudesse evitar a apreensão, a desconfiança da profundidade, da  secura do lugar. Mantinha o coração em suspenso enquanto se assegurava de que era aceita, bem vinda pela frequência, tão nítida,  que envolvia como um indivíduo.
       O destino sempre era um  extenso terraço que circundava o local com seus vasos de bronze e paisagem de neblina. Percorria esse terraço dando-lhe voltas vezes seguidas, inebriada com a vertigem ácida e perfumada que o envolvia. Ali era sempre noite e nunca divisou mais do que um céu sem estrelas. Mas, a vitalidade e o bem  estar que sentia  a cada visita sempre a  deixaram intricada.
- Esse é um portal para a morte ou é a morte, e sempre essa paz...
       Uma paz sem formas e sem medo. Uma terra sem conquistas e desafios, vivente por si, de alma humana e firmeza divina. Um estágio sem cor e sem lua, movido das naves que já não esperam.
         Nos dias que se seguiam a este peculiar passeio sentia os sentidos tornarem-se mais aguçados. Podia, com maior intensidade que costumeiramente,  embriagar-se da vida e sua luxúria de formas e cores. Os gestos comuns  do dia a dia tornavam-se mais leves, feitos com pouca angústia, encaixando-se nas diversas faces das muitas práticas com precisão.
     Parecia contraditório que a visita a um lugar que transpirava morte, dissolução, lhe desse tanto bem estar e  a capacidade de viver. Nem um céu de outono no fim da tarde ou a alegria primaveril cantada nas manhãs de louros pássaros a enchiam de tão suave bonomia.  
- Cobre-me como um manto de rosas, um paraíso quase sem vida  – dizia-se nessa noite. E não conseguia evitar as lágrimas, pois sabia que ia abandoná-lo. E para que, perguntava-se? Para enfiar nos braços a estória de uma vida, a trajetória de dados e fatos, murmúrios e sustenidos. Antes entregar-se à perfeição daquele deserto ácido e noturno.
       Fez, dessa feita, um encontro mais breve com a linguagem daquele lugar. Talvez, nos próximos muitos anos, não conseguisse mais descobrir  a entrada desse portal. Se não fosse pela lembrança da água - essa eterna namorada de almas sãs ainda que  amante das nostálgicas - talvez nenhuma outra recordação do mundo da cor e da luz a faria deixar essa última noite. Mas, o fez, pela impiedade da carne, da sina e do desejo. Sim, fundido em água, o desejo, o rio do prazer e a taça que consome toda manifestação de vida. 

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