quarta-feira, 26 de agosto de 2015

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ENTREVISTA COM A POETA LISA ALVES


Lisa Alves nasceu em 1981 na cidade de Araxá (MG), vive em Brasília há mais de dez anos. Colabora com as revistas Ellenismos e Mallarmargens. No Distrito federal colabora com um fanzine feminista De Salto Alto. Tem textos publicados em diversas páginas literárias, dentre as quais destaca: Flaubert, Germina, Escritoras Suicidas e Diversos e afins. Tem poemas publicados nas antologias: Trilhas (CBJE, 2007), Poema Capital (Eloisa Cartonera, Buenos Aires, 2011), Vinagre (antologia de poetas neobarrocos, 2013), Palestina Poemas (Bibliotecas de las Grandes Naciones, País Basco, 2014), Aquafúria (uma antologia de poetas sedentos, 2015), 29 de Abril: o Verso da Violência (Patuá, 2015).
  Ela acaba de lançar seu primeiro livro de poemas intitulado Arame Farpado (Nyx poética/ Coletivo Púcaro), obra lançada de maneira 100% independente.


Lisa, Arame Farpado tem uma estrutura que o divide em seis partes, trata-se de uma coletânea ou os poemas ali presentes foram escritos exclusivamente para esta publicação?

R: Trata-se mais de uma coletânea (embora não seja) do que algo escrito de forma exclusiva. Irei explicar melhor: eu tenho certo tesão por capítulos. Se eu pudesse narrar minha vida para você, eu a dividiria em capítulos. Mas advirto que nem sempre o primeiro capítulo citado é o mais remoto – eu não consigo perceber a vida em tempo linear, o passado vive interferindo no meu presente. Com o Arame Farpado não foi muito diferente, cada poema é um corpo único: com histórias e tempos diferenciados. Eu comecei a escrever com quatorze anos, contudo, os poemas que compõem o livro fazem parte de um processo criativo de dez anos (ou seja, o poema mais velho desse livro foi escrito quando eu tinha vinte e três). Em dez anos produzi uns trezentos poemas que foram publicados em sites, revistas, coletâneas e outros guardados (confesso) para o livro impresso. De trezentos escolhi oitenta e um poemas, pois notei uma conexão que os permitiriam se tornarem algo comum – uma criatura formada por várias criaturas.

No poema canibalismo por falta de opção há o seguinte verso: A falta de ideias produz bolhas em meu mundo. Como você lida com os períodos nos quais os poemas não acontecem?

R: Eu pulo para outros gêneros da escrita e quando a escrita não acontece eu leio muito e me alimento de outras artes. E ainda tem a vida e todas as experiências que nos reconstroem o tempo todo e quando passo por determinada experiência não me atrevo a escrever de imediato. Eu também sou adepta do método descrito por J. B. Pontalis por Sonho e Luto e que na visão de Pontalis é o método transformador: o sonho transforma sensações presentes, restos (diurnos), rostos e lembranças, pessoas e lugares: é um laboratório. O luto transforma o objeto perdido, o incorpora e o idealiza, o fragmenta e o decompõe, e precisa de tempo para fazer isso.

Em vários dos poemas que compõe o seu livro, há uma temática política, não panfletária ou partidária, mas humana, o que demonstra sua ligação com o tempo em que vive, contudo, aparece o estranhamento da sua singularidade diante do todo social. Como equilibrar o fazer parte sem pertencer?

R: Não sei como equilibrar (se consigo é por sorte ou instinto). Eu vejo uma grande comunidade global despertando e o sentimento de pertencimento é múltiplo. Na minha vida pessoal sou carregada de bandeiras (gay, feminista, anarquista, ambientalista, humanista), mas também sofro transições e se você encontrar um Eu em meus poemas que passa esse estranhamento é porque ele existe, mas não só em mim. Em Arame Farpado há vários sujeitos possíveis. Eu não arquiteto uma poesia exclusivamente confessional.  Um exemplo é o poema Diagnóstico: (...) Meus glóbulos são misturas étnicas:/ brancos, vermelhos, negros,/ amarelos, mecânicos e orgânicos./ Meu sexo é macho e fêmea e/ minhas preferências são sazonais.

O poeta Carlos Nejar escreveu que: Ao visitar as palavras, visitamos suas imagens. Você realiza em parceria com a sua esposa Juliana Botão vídeos com alguns de seus textos, seria esta uma via contrária ao que escreveu o poeta?

R: Tudo depende da forma como você transmite as imagens que acompanham o texto. Eu não acho que eu mapeio os meus textos com imagens, aliás, as imagens são um adicional para o suporte vídeo. Assim como é a performance. Quando decido performar como fiz em Filhos de Putins, quero transmitir o poema através do meu corpo – é um complemento. Mas é bom lembrar que também me utilizo da voz e de certa forma voz e imagem causam uma indução, ela interfere na forma como o receptor reage. É como se você começasse a conhecer um clássico da literatura através de uma adaptação para o cinema, eu amo cinema, porém não abro mão de imaginar sozinha toda aquela história através da leitura, pois se o ator ou o diretor interfere (o que é bem comum) há uma perda de origem. Foi pensando nessa diversidade de formas de trabalhar a poesia que decidi publicar um livro – com o livro estou cedendo a qualquer pessoa a liberdade de sentir e imaginar da forma que só ela alcança. E também é bom lembrar que há poemas e narrativas que nem o melhor dos cineastas conseguiria converter em imagens. E, além disso, a Juliana Botão tem um processo criativo que não interfiro. O trabalho imagético é dela. Às vezes as imagens são trabalhadas bem antes e eu me aproprio delas. Sobre o que Carlos Nejar escreveu eu completaria que quando visitamos as palavras, não só visitamos imagens, pois a escrita em prosa ou em verso muitas vezes brota de sentimentos intraduzíveis e inimagináveis, chega a ser sinestésica.

Na orelha de Arame Farpado, a escritora Márcia Barbieri escreve que o humano que há em seus textos beira o absurdo de Camus. Qual a ligação que você percebe entre o teor de seus poemas e a seguinte afirmação do filósofo: ... divórcio entre o  homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento de absurdo.?

Vivemos em um território colonizado, sentir esse divórcio é um sentimento bem comum por aqui. Eu começo o meu livro com um poema chamado Ecos. Ser um eco nos faz estrangeiros da própria vida. Lembrando que o eco não tem massa, o eco não ocupa um lugar no espaço, logo tudo que é eco não tem raiz no momento que se propaga, o eco por definição já é divorciado com o que chamamos de matéria. E se eu não tenho raiz no espaço que penso ocupar acabo concebendo um sentimento de desvinculação. Nesse ponto há o sentimento de não pertencimento (relacionado à pergunta anterior). A única coisa que percebo em um eco é uma destinação, ele está destinado a uma forma de vida que já foi decidida por um sistema, todo um padrão foi decidido antes.

A Reversa Magazine publicou um texto sobre você em março deste ano, na publicação está escrito que o seu livro traz questões importantes para a comunidade LGBTT. Você teme a possibilidade da rotulação da sua poética?

Não. Creio que só serei rotulada por quem não ler o livro. Em alguns poemas eu desenvolvi a questão da intolerância relacionada à diversidade sexual, pois é uma experiência pessoal. Mas há poemas relacionados com a causa indígena, há poemas sobre a questão Palestina, há poemas que você perceberá um pouco da teoria anarquista em outros abordo problemas ambientais como a questão da escassez de água doce e os chemtrails e também há poemas sobre causa nenhuma, poemas experimentais e sem nenhum sentido coletivo e em todos há uma relação de um sujeito passivo e ativo. O Arame Farpado está presente em tudo e ele é observado por vários tipos de sujeitos e eu quis construir a visão desses sujeitos na minha poesia, inclusive de sujeitos que abomino como, por exemplo, o eunuco do poema Estéril coletivo (pág. 55).

Já no primeiro verso de seu livro: O Eu original foi desconectado, aparece o tema da diluição do humano dentro da sociedade de consumo, o que nos remete ao Drummond (que você coloca entre os seus mestres). Como se dá tal diálogo?

Na verdade essa diluição do Eu dentro de um sistema irracional de consumo e reprodução é uma experiência de qualquer sujeito que vive dentro deste sistema. Não é preciso dialogar com a poesia de ninguém para perceber o Nada que somos quando comparados com as coisas (produtos). Vendemos nosso tempo de vida para reproduzir coisas que serão vendidas para nós mesmos por um valor acima da nossa força de trabalho e assim temos que trabalhar mais para quitar essas dividas. É um sistema insustentável.  Nesse contexto minha referência teórica é Marx.

Comunico-me com pessoas que nunca vi./ Isso não é desenvolvimento espiritual/ Isso é desenvolvimento tecnológico – Kardec foi um visionário. Como você iniciou a apropriação dos meios tecnológicos e o quanto isso amplificou a mensagem de seus poemas e seu processo criativo?

Fiquei sabendo em 2003 sobre a existência dos blogs e desde lá comecei a publicar o que escrevia. Meu primeiro blogger foi o Metamorfose de Monstros e nele comecei os primeiros exercícios com a escrita em exposição, tanto em versos quanto em prosas. Eu escrevia uma novela semanal chamada A Prisioneira do Bosque cujo enredo era sobre uma menina que entra em uma espécie de coma e começa viajar entre os tempos e durante esse coma, ela experimenta as várias fases de um ser humano: da infância até a velhice.  E foi um exercício muito interessante, pois eu tinha um pequeno público cativo que seguia a novela e me enviava e-mails e dava pitacos na história. Foi muito prazeroso e divertido. Já em 2008 criei o A Fábula de um Mundo Real que continuo até hoje. Mas durante esse período e por publicar na internet comecei a receber convites para publicar em revistas, antologias e sites. Creio que se não tivesse utilizado a tecnologia para me autopublicar já teria desistido desse universo justamente pela dificuldade de ser publicado por terceiros.

Proponho para você algumas perguntas que aparecem na resenha do seu livro feita pelo escritor Daniel Lopes: Que é ser brasileiro? Como se forma uma individualidade num país pobre e preconceituoso? Como podemos ser com o outro? Não com os donos do poder e do capital, mas com “os do final da fila”? 

O brasileiro é um aniversariante que não comeu a fatia do próprio bolo. Nosso território é riquíssimo tanto em riquezas naturais quanto em mão de obra, porém nunca deixamos de fato de ser uma colônia de exploração. Na segunda questão proposta pelo Daniel Lopes eu diria que é preciso muita coragem para assumir sua singularidade e sozinho é impossível. É preciso coletivizar, se unir com aqueles que possuem a mesma inquietação e lutar contra todos os preconceitos. Precisamos urgentemente de uma democracia direta, as pessoas devem decidir pelo próprio bem estar e não terceirizar esse poder de decisão. Democracia indireta é como confiar na salvação vinda de um Messias. É pura infantilidade e comodismo. A terceira eu diria compaixão (se colocar de fato no lugar do outro) e ter consciência de classe. Falta muita consciência de classe, por isso continuamos sendo dominados. Muitas vezes o algoz da classe trabalhadora é o próprio trabalhador que se torna o vigilante dos “donos do poder”.

Lisa, por que ler Arame farpado?
Não sei.

Deixe registradas aqui as formas como os interessados podem entrar em contato contigo para adquirir o seu livro.

Quem quiser se aventurar a ler um livro de poesia escrita por uma Maria Ninguém é só me procurar pelo email lisaallves@gmail.com ou pelo facebook https://www.facebook.com/lisaallves. Criei também a página do livro com vídeos, resenhas e comentários sobre a obra: https://www.facebook.com/pages/Arame-Farpado/1034332163257619?ref=ts&fref=ts. Obrigada!






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