sexta-feira, 26 de agosto de 2016

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Pequenas histórias 239


Assustou-se

Assustou-se porque ao seu lado, o garçom com um bloco e uma caneta, esperava o pedido. Assustou-se, não esperava que fosse tão prontamente atendido. Olhou para o cardápio meio que indeciso. O que pediria? Olhou para cima. Viu a cara do garçom numa perspectiva estranha que, indiferente, apenas esperava. Ele estava ali para isso. Esperar demorasse ou não. Ele era paciente. Foi treinado para isso: ser paciente. Nunca se alterar. Nunca erguer a voz, estivesse ou não com razão. Aliás, ele não tinha razão nenhuma, só os fregueses é que tinham razão. Esse era o lema da casa, o qual foi extensivamente recomendado pelo chefe.
Assustou-se, realmente, tinha que se assustar.  Distraído, pensando na vida ou, como dizia sua mãe, pensando na morte da bezerra, não percebeu a aproximação do garçom. Assustou-se, pois ao erguer os olhos, deparou com a cara amarfanhada, uma cara de destroços esquisitos. Mas tudo bem fez o pedido com a voz empossada. Sentia um prazer em mandar. Pediu enfatizando cada palavra num deslizar de letras pronunciando-as bem devagar. Tinha gosto de se fazer notar que, ele, possuía mais educação do que o garçom. Este conhecia esses tipos de nariz arrebitado e que não tinha um cão para puxar pelo rabo, como dizia seu pai. No principio, quando começou a se aperfeiçoar como garçom, ficava de uma maneira irritado, depressivo, mas com o correr do tempo, não dava mais pelota. Desprezava todo e qualquer tipo de pessoas esnobes.
Entrou na cozinha. Passou o pedido para o assistente.
- José já tenho o prato pronto. Não quer levar esse?
José indiferente pegou o prato e levou ao freguês de nariz arrebitado.
- Com licença, senhor.
- Nossa que rapidez.
Assim que ajeitou tudo sobre a mesa, cordialmente perguntou:
- Mais alguma coisa, senhor?
- Sim, mais uma coisa, por favor.
- Pois não, senhor.
- Suma da minha vista, não apareça mais aqui, nem para trazer a conta.
- Pois não senhor, o senhor é que manda.
Suspirou achando-se livre do garçom. Desviou os olhos para o prato e já começava a saborear a comida quando, sentiu uma pancada na altura do pescoço. Um frio cortante rasgou de um lado para o outro a garganta. O frio invadiu suas células paralisando-o. Num esguicho o sangue inundou o prato, a toalha branca ao mesmo tempo em que o corpo caiu por cima do prato esparramando tudo.
Sem se perturbar com os gritos, a balbúrdia, arrancou a gravata borboleta, o paletó ridículo e jogou tudo em cima do morto caído sobre o prato. Sentindo-se aliviado, saiu do restaurante. Ao chegar à calçada, suspirou:
- Como seria bom se no mundo não houvesse pessoas como aquele desgraçado.
Virou à esquerda, se embrenhou na escuridão, enquanto ao longe se ouvia a sirene da policia.


Pastorelli

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