segunda-feira, 25 de setembro de 2017

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A PALAVRA QUE FALTA




E era a palavra. A que faltava. Não a que se esperava. Previsível. Normal. A de sempre. Nem a inventada sob forma  e fornalha. Quente. Agredida e medida, escrava e escavada em árido terreno. Brilho efêmero e calculável.
Era aquela outra. Da boca de um povo que ainda não era. Ainda não pronunciada. Uma palavra por vir. Mais de força que de regras. Mais de potência que de gramática. Palavra a-gramatical capaz de zombar e agredir a mãe de todas as línguas. A senhora exata. A palavra rebelde. Revolta. Tantas e tantas voltas. E sempre a diferença surgindo. Voltas e retornos não mais os mesmos. Não iguais, não mais o mesmo.
Uma palavra-arpão nas costas de uma enfurecida Moby-Dick... Carregando todos para a densidade da tragédia, para os limites, para além de qualquer borda. Palavra de olhos vermelhos surgindo. Louca como um Artaud. Soprando sua gramática. Nova. Arpão no coração da norma. Da única forma. "I would prefer not to." de um Bartleby.
Negar o verbo fácil. Resistir à pura interpretação. Talvez uma palavra venenosa. Perigosa. Como aquelas produzidas por Jorge de Burgos na obra de Umberto Eco. Não mais para calar o leitor, não mais para esconder, mas sim para levar o leitor a outra dimensão da palavra. Outro espaço perigoso e arriscado, mas possível!
Ou valises. Palavras-valises. Como as de Carroll ou de Joyce.  “Guerreando a vida inteira quanto à contransmagnificandjudeibunbatancialidade.” E o mundo para. Para na palavra-entranha. Não estranha. Mas nas entranhas da palavra. Palavra movediça, lamacenta, disforme. A-moral. Palavra sibilante, sísmica.
Artaud: O que em mim chamam o homem/ é minha vida e é isto que me é impossível de abandonar,/ mas eu mudarei/meu esqueleto,/meu cérebro,/ meus pulmões,/ meu coração,/ meu fígado,/ minhas nádegas,/ meus intestinos, minha coluna vertebral/ e meu sexo./eu guardarei minha aparência externa com modificações.”
Artaud. Em luta com o corpo. Com a palavra que se constitui corpo. Corpo definido e organizado da palavra.
Eis a palavra que falta. A palavra desnuda de toda vergonha moral, social, histórica. “Gostaria  de eleger palavras que sejam, para começar, nuas, simplesmente, palavras do coração.” Palavras ditas com Derrida ao perceber o olho do animal que o observa. Nu. Palavras que surgem de um devir-animal. De um devir-gato derridiano. Desconstruir a palavra. Derrida. Atingir um grau zero da escrita. Barthes.
“Parece muito habilidoso para explicar palavras, Sir”, disse Alice. “Faria a gentileza de me dizer o significado do poema chamado ‘Pargarávio.’?”[1]




[1] CARROL, Lewis. Alice, Edição Comentada. p.205

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