Os sábios alquimistas
eram conhecidos por desenvolver investigações a partir dos quatro elementos
básicos – a terra, o ar, a água e o fogo. Como estes experimentos foram
realizados tão deslocados no tempo pretérito, boa parte da documentação quanto
à manipulação destes processos se perdeu. Em parte por conta de traduções ou
descrições imperfeitas dos documentos originais, em parte por causa das
perseguições sofridas pelos alquimistas durante a idade média, que fez com que
este conhecimento fosse tratado como profano, e transmitido secretamente entre
pessoas de extrema confiança, apenas verbalmente ou criptografado; ou seja,
descrito em linguagem de código.
De fato, neste começo
do terceiro milênio, é tão pequena a reminiscência da alquimia em nossa
cultura, que muito se especula inclusive sobre o real propósito desses
laboriosos processos. A tecnologia se desenvolveu, os elementos básicos
saltaram daqueles quatro originais para toda uma tabela periódica. Chegamos aos
átomos; depois aos prótons, aos nêutrons e aos elétrons; mais tarde a outras
partículas elementares, ainda menores, de decaimento rápido. Uma infinidade de
processos químicos e físicos foi documentada com grande riqueza de detalhes,
viabilizando estes processos a serem reproduzidos com precisão, eficiência e em
escala industrial.
Tudo isso levou a um enorme
progresso intelectual, a geração de riquezas e a melhoria da qualidade de vida do
ser humano. Esta constatação é percebida tão diretamente pelos nossos cinco
sentidos físicos – a visão, o olfato, o tato, a audição e o paladar – que falar
em fogo, água, terra e ar como elementos básicos parece soar exageradamente
simplista, ou remeter a imagem de um homem no tempo das cavernas.
Por outro lado,
devemos nos lembrar de que a idealização do tempo linear é uma premissa do ser
humano apenas. Uma forma de nos organizarmos para a manutenção da rotina, e que
não presta para nada mais além disso. A história remete-nos a ideia de um tempo
cíclico, na medida em que observamos a ascensão e a queda dos grandes impérios,
o surgimento e a extinção de espécies, períodos de guerra intercalados por
aqueles de paz, ou as altas e as baixas nas bolsas de valores.
Na verdade, até as
teorias mais recentes da física (as melhores que temos em mãos, o que não
significa que representam exatamente como funciona a natureza) já se dobraram
ante ao mistério do tempo. A teoria da relatividade de Einstein propôs (e já
foi demonstrada experimentalmente) a curvatura do espaço-tempo, que é a soma
das três dimensões do espaço mais aquela da evolução no tempo, o meio no qual
suavemente navegamos. Segundo Einstein, a maior velocidade possível é aquela da
luz, c = 300,000km/s.
Por outro lado, a mecânica
quântica é a física que descreve o comportamento das partículas elementares; ou
seja, aquelas de dimensões microscópicas. O objeto na mecânica quântica tem a
característica de se comportar ora como partícula (matéria), ora como onda
eletromagnética (energia); e este comportamento também já foi demonstrado
através de inúmeros experimentos. O experimento quântico é uma indeterminação
no tempo (dualidade) que pode ser representada por uma densidade de
probabilidade; por exemplo, podemos apenas saber qual é a chance de um elétron
estar em determinada posição num instante de tempo específico. A observação de
um evento quântico provoca o colapso dessa indeterminação (dualidade) numa realidade
(resultado único), que pode ser aquela de uma partícula ou de uma onda. Também:
a observação de um evento quântico (a consciência) afeta o resultado (a
realidade). E ainda: tanto a teoria quanto o experimento quânticos apresentam a
característica de não-localidade; isto é, a manifestação de resultados
coerentes (mesma realidade) simultaneamente (exatamente ao mesmo tempo, ou instantaneamente)
em posições distintas do espaço.
É fácil perceber que
alguma coisa não vai bem com o tempo: A teoria da relatividade de Einstein,
válida para os corpos do macrocosmo, descreve um comportamento suave que tem
por características principais a curvatura do espaço-tempo e um limite superior
para a velocidade. Enquanto a mecânica quântica, a teoria válida para os corpos
no microcosmo, é caracterizada por um comportamento dual (partícula ou onda;
binário; zero ou um) que se manifesta instantaneamente num resultado único (a realidade)
através da observação (da consciência), mesmo havendo distâncias envolvidas. Essa
disparidade entre os comportamentos dos corpos no macrocosmo e no microcosmo é coisa
de fazer cair os cabelos de muita gente que pensa sobre isso.
Ainda que você, caro
leitor, seja uma pessoa relax, dessas que acha que não precisa se preocupar com
esse tipo de aporrinhação, coisa de quem fica procurando pelo em ovo, por se
tratarem de aspectos muito sutis, que não afetam diretamente as nossas vidas, pode
ser que você esteja redondamente enganado. E, na dúvida, eu recomendo que a
gente fique, por ora, não com o tempo linear que alimenta a nossa rotina, mas
com o tempo natural, cíclico, que é aquele sobre o qual nos dizem as revoluções
da Terra, a sua translação ao redor do Sol, as fases da Lua e também o
movimento das marés. Porque em tempos de smartphone, quem olha para o céu é
rei.
A verdade é que – a
despeito de todo o progresso intelectual, da geração de riquezas e da melhoria
da qualidade de vida do ser humano que alcançamos graças ao desenvolvimento
tecnológico – a luta pela sobrevivência parece só se agravar. Vivemos, agora,
uma das mais graves crises de valores morais. As pessoas acusam-se umas às
outras; cada um precisa provar todos os dias a sua inocência; proteger a sua
casa para que não entrem bandidos; enquanto trabalha para pagar os impostos,
que sabidamente serão desviados; ou compra produtos básicos, que vão ampliar a
concentração de renda em favor dos cartéis econômicos. Na luta pela
sobrevivência, tempo é o que falta e a natureza nos dá sinais de claros de
esgotamento.
O pior, a meu ver, é
o fato de que – apesar de admitirmos isso – prosseguimos adiante por esta senda
nefasta, sem refletirmos sobre as razões de fazermos assim, sem refletirmos
sobre o que deixaremos para as futuras gerações, sem refletirmos sobre eventuais
desvios de rota que poderiam resolver a grave crise de valores morais. Seguimos
como uma manada desenfreada de animais irracionais, guiada pelos seus instintos
de sobrevivência, usando sobre os olhos a venda da tecnologia e avalizados pela
suposta aura de sermos inteligentes.
Independente disso,
pouco se sabe sobre os propósitos da alquimia. Há quem diga que o seu objetivo
final era aquele da transmutação de metais comuns em ouro; outro possível objetivo
seria a síntese de certo elixir para a eterna juventude, ou talvez até um
elixir da vida eterna; havendo ainda, como terceira possibilidade, a busca pela
tal pedra filosofal (espécie de amuleto obscuro para a profunda sabedoria).
Certeza nós temos
apenas de que os sábios alquimistas eram conhecidos por desenvolver investigações
a partir dos quatro elementos básicos – a terra, o ar, a água e o fogo. E,
qualquer que fosse o propósito final da alquimia, ele dizia respeito aos
intrincados processos de transformação da matéria-prima no produto final, denominado
por quintessência.
O processo se
iniciava a partir do esquema de uma cruz de lados iguais. Na extremidade
inferior da cruz era disposta a terra. Na extremidade superior ficava o ar (ou
o céu). À direita da cruz era colocada a água (ou o mar) e a sua esquerda, o
fogo. Havia então dois pares de pólos opostos (ou dualidades): ao longo do eixo
vertical da cruz, os elementos opostos terra e ar; enquanto que ao longo do
eixo horizontal da cruz, os elementos opostos água e fogo.
Fazendo um paralelo
com o homem, e começando da extremidade inferior da cruz, nós encontramos a
terra. A terra representa o que temos de mais rígido e denso em nosso corpo: os
ossos e os músculos. Percorrendo a cruz no sentido anti-horário, vamos
encontrar a água a seguir. A água representa o sangue que corre em nossas
artérias e veias, também o plasma e os demais fluidos do corpo humano. São mais
sutis e acomodam-se ao vaso do corpo. Depois vem o ar, que inspiramos e
expiramos em ciclos, um elemento ainda mais sutil. E enfim, o mais sutil dentre
os quatro elementos: o fogo, que também está presente no corpo humano,
especialmente no sistema nervoso, na forma de ampla rede de transmissão dos
impulsos eletromagnéticos.
Se unirmos as quatro
extremidades da cruz, teremos um quadrado ou quaternidade, a partir dos quatro elementos
da matéria-prima. Este quadrado está girado de quarenta e cinco graus, formando
um losango eqüilátero, a mais simples das mandalas.
Segundo os estudos de
Carl Gustav Jung, o desenvolvimento psicológico do ser humano se dá pela
circumambulation, que é a circulação ou dança em torno dos objetos sagrados.
Essa circulação é a experiência incessante de movimento da consciência evitando
a estagnação nos extremos de uma das polaridades apenas destes elementos duais,
o que seria muito danoso sob o ponto de vista psíquico. Ainda segundo Jung, o
processo do amadurecimento psíquico se dá através do conunctio, que é a
conjunção, ou equilíbrio dos elementos opostos, numa união, integrando de forma
saudável o consciente e o inconsciente. O símbolo da unicidade é o círculo. E
se girarmos o quadrado em torno do seu centro, é exatamente essa a figura que
vamos obter.
Se me permite uma
interpretação pessoal, eu diria que estamos sempre realizando essa circulação
em torno dos objetos sagrados, tomando decisões conscientes (quânticas) e
buscando essa conjunção, ou equilíbrio integrando de forma saudável o
consciente e o inconsciente. Essa geometria simultânea seria representada por
aquela de uma espiral de diâmetro decrescente, girando no sentido anti-horário
em direção ao centro, com saltos representando algumas escolhas conscientes
mais significativas. Nesta imagem simbólica da trajetória pessoal do individuo,
a redução do diâmetro diz respeito ao processo de tomada de consciência gradual
de processos antes relegados totalmente ao inconsciente, e que através da
experiência vão se desvelando.
Neste artigo
apresentei oito dessas figuras. Cada uma das figuras é a representação
artística da trajetória pessoal de quatro indivíduos. Cada um dos quatro
indivíduos, representados em uma figura, tem como ponto de partida uma das
extremidades da cruz. Eles iniciam, então, os seus processos contínuos de
circulações anti-horárias, escolhas conscientes (saltos quânticos) e graduais
tomadas de consciência. Observa-se que a trajetória de cada indivíduo é única,
mas todas elas têm uma orientação preferencial, que é a busca pela conjunção,
ou equilíbrio integrando de forma saudável o consciente e o inconsciente, pela
absorção gradual de conteúdos antes relegados totalmente ao inconsciente, e que
através da experiência vão se desvelando.
Essa dualidade entre
consciente e inconsciente é uma das coisas mais fascinantes do ser humano. O
consciente tem um papel ativo, representando o nosso ego, lidando diretamente
com as nossas vontades e escolhas (livre arbítrio), os processos racionais e a
interação com o mundo exterior. O inconsciente, por outro lado, tem o papel
passivo; representa o nosso self, o si-mesmo ou o eu-superior; responde às
nossas escolhas (livre arbítrio) através dos sentimentos; trabalha com os conteúdos
emocionais, é o responsável pelas nossas intuições; e a interação com o mundo
interior. Nesse sentido, o inconsciente responde por todas aquelas atividades
sobre as quais não colocamos o foco momentâneo da consciência; como por exemplo,
é ele quem gerencia a maioria dos processos fisiológicos do corpo humano, como
a respiração, a pulsação, etc.
Por isso tudo,
explicado no parágrafo acima, é muito mais difícil estarmos atentos ao
inconsciente do que ao consciente. O inconsciente age mais como um mentor, ou
anjo da guarda, que está sempre junto ao consciente, mas deixa que este último
tome as decisões. No nosso quotidiano estamos fazendo escolhas a todo o
momento. Se eu vou até a copa, pode acontecer de eu ficar em dúvida se eu tomo
uma xícara de café ou um copo d’água. E são em momentos como este que parece
haver duas entidades pensantes dentro de minha cabeça – uma forma sutil de se
aperceber as trocas entre consciente e inconsciente. Toda a escolha parte de um
evento quântico, de uma dualidade, que provoca o colapso da nuvem de
possibilidades num resultado específico.
Mas uma escolha tão
irrelevante – entre uma xícara de café ou um copo d’água – será mesmo um evento
quântico? Ou seja, será que esta simples escolha, pode desencadear implicações
quânticas (imaginando aqui um evento quântico com a mesma gravidade como aquela
em que foi tratada no parágrafo referente ao microcosmo; isto é, implicações
tão radicais quanto a dualidade partícula-onda)? Afinal, além de terra, água,
ar e fogo, do que é feito ser humano?
O ser humano é
composto por células. São inúmeros os tipos de células com ciclos de vida
distintos. Apenas para ter uma ideia, começando pelo sangue: o corpo humano
apresenta por volta de 2,4 milhões de glóbulos vermelhos; eles duram entre 100
e 120 dias. Os glóbulos brancos têm ciclos de vida entre 8 horas e 3 dias; e para
combater uma infecção, o corpo humano é capaz de produzir entre 40 e 50 bilhões
de glóbulos brancos. Já as plaquetas sanguíneas vivem de 5 até 9 dias. As
células dos pulmões duram entre 2 e 3 semanas. As células do fígado, por sua
vez, vivem em média 5 meses. As papilas gustativas da língua são substituídas a
cada 10 dias. As células da pele tem o ciclo de vida de 2 até 4 semanas. Já as
células ósseas do esqueleto humano são totalmente substituídas ao longo de 10
anos.
O cérebro humano
apresenta em média 100 bilhões de células nervosas. Mas estas células nervosas,
também aquelas dos olhos e as células do músculo do coração estão entre as
quais permanecem as mesmas ao longo de toda a vida da pessoa. Além disso, o ser
humano troca toda a água do seu corpo (que representa 70% de sua massa total)
em intervalos de aproximadamente 25 dias. Agora, o mais impressionante é que,
do montante total de células do corpo humano, habita nele uma quantidade dez
vezes maior de células de bactérias. Estas bactérias se reproduzem por divisão
celular e, uma vez que o número total delas permanece constante, podemos
estimar que o ciclo médio de vida bacteriano é de 12 horas. Mas este é apenas
um valor médio, pois a variedade de bactérias é muito diversificada, existindo
algumas delas que podem viver por até milhões de anos.
Desses dois
parágrafos anteriores, observa-se que o ser humano é a morada de um gigantesco
e complexo microbioma. Além disso, fica claro que o homem está muito mais para um
processo, um movimento, uma dança, um constante fluir, do que propriamente uma intrincada
organização material (que é como geralmente nos imaginamos). E vendo o ser
humano sob essa ótica; de uma gigantesca e complexa morada de bactérias, de
fungos, de vírus e de células humanas propriamente ditas; fica claro como uma
escolha aparentemente tão simples – entre uma xícara de café ou um copo d’água
– desencadeará uma avalanche de desdobramentos distintos (quânticos) nesse
nível de escala (microbiológico).
Assim como o Sol está
para Mercúrio, Vênus, Terra, Lua, Marte... enfim, para todo o sistema solar –
ele é o provedor de energia que nutre e estabiliza todo o sistema –, assim
também o ser humano está para o seu microbioma. E assim também o planeta Terra
está para todos os seus habitantes – sejam eles dos reinos animal, vegetal ou
mineral.
Nesse ponto, parece
ficar claro qual o objetivo da alquimia. Estas investigações de intrincados
processos a partir dos quatro elementos básicos – a terra, o ar, a água e o
fogo tinham como propósito final chegar à essência do ser humano, bem como
àquela do macrocosmo e do microcosmo que, por similaridade, são exatamente as
mesmas. O almejado resultado do processo alquímico, a quinta essência, é a
vida.
A vida, este milagre
que é a contrapartida do que reza o estágio atual do conhecimento científico.
Sim, contrapartida; porque enquanto a terceira lei da termodinâmica demonstra
racionalmente que os processos químicos geram entropia, que o estado natural de
um sistema, aquele de menor energia, é o caos; está aí a vida, entranhada em
todos os níveis das criaturas – do macrocosmo ao microcosmo – demonstrando
silenciosamente, como um soberano observador inconsciente: a força da vida é
aquela capaz de sustentar o universo.
Ao contrário do caos
(ou o desmantelamento do sistema para o seu estado de menor energia), a
natureza mostra-nos que existe um sentido de orientação da vida que vai das
criaturas mais simples para aquelas de complexidade e grau de consciência crescentes.
A natureza demonstra também que o mecanismo predominante de relacionamento entre
as criaturas é a simbiose; isto é, a mútua colaboração.
Se isso não resolve
de pronto os problemas de nossa civilização, ao menos aponta um caminho, indica
um sentido natural a ser seguido. A luta pela sobrevivência e a falta de tempo não
passam de efeitos colaterais de um processo destrambelhado do desenvolvimento
humano, um simples resultado (ou reação) para a forma como nos comportamos até
aqui. Mas o futuro se faz agora. Basta lembrarmo-nos de que fazemos escolhas conscientes
a todo o instante.
Eu vejo nuvens de
possibilidades adiante. Toda a vez que escolhemos a mútua colaboração em
detrimento da luta pela sobrevivência (do egoísmo apenas), certamente teremos
dado passos seguros em direção a uma realidade melhor.
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